"Espinha de Fogo, Alma de Terra"
Como a ti, Galo de Rinha, que se ergue no centro do combate, plumagem reluzindo, peito nu diante do destino, também eu avanço. Avanço sem medo, sem trégua, sem nunca permitir que a espinha, esse tronco da alma, se curve. Pois dobrar minha espinha seria roubar-me a vida — e, se isso há de acontecer, que seja apenas quando eu já não puder mais respirar o ar dos rincões que me formaram.
Há em mim a fibra de quem viu o sangue tocar o chão e, mesmo assim, seguiu em frente. Não por escolha, mas por natureza. Porque o homem do Contestado não é feito de paus ou pedras, mas de terra viva e fogo que arde eterno. Sou feito da poeira que o vento soprado pelo grande "Tupã" carrega, mas que nunca apaga; do som seco das chilenas que batem, do brado que rasga os céus em busca de justiça.
E como o galo, que não mais enxerga eu também salto no escuro cravando espora no espaço. Enfrento meu algoz de peito aberto, com a coragem de quem sabe que a peleja não é só pela vitória, mas pela honra de lutar. Cada pena arrancada, cada golpe recebido, não é derrota: é testemunho de que jamais retrocedi. E se a morte vier, que venha. Não temo seu peso. Temo, sim, viver sem razão, viver curvado.
Que meus gritos de justiça ao Contestado ecoem pelos pinheirais, pelas serras, pelos rincões desse mundo. Que cada homem, mulher com espírito de galo de rinha saiba, que o sangue derramado, por aquilo que era seu de direito, oh jagunço amado, nunca foi em vão. E que, ao me deitar no costado da terra que tanto foi defendida, meu espírito permaneça, erguido, altivo, imortal. Porque aqui, neste corpo, neste sangue, vive a fibra de um povo que não conhece a palavra rendição, basta ouvir o "bradador" Urutau nas madrugadas de novembro, lamentando não a dor da solidão mas a de não ter se despedido do seu amor ao ter partido para a derradeira campanha senhores.
E se alguém, um dia, ousar dobrar o espinhaço destes que amam esta terra, saiba: não será enquanto houver vida em nossa gente. Será depois de morto. E mesmo assim, que o faça com cuidado, pois até a terra que nos cobre será resistência. Pois o homem do Contestado, não cai, eterniza-se.
Por C. J. Vellasques
Primavera de 2024.
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