sábado, 7 de dezembro de 2024

A Chácara da Esperança Perdida

 


A Chácara da Esperança Perdida

Senhores e senhoras, fechem os olhos.
Imaginem uma mulher. Não qualquer mulher. Uma idosa.
Seu rosto carrega marcas de batalhas que nunca escolheu lutar.
Seus ombros, cansados, suportam o peso de uma vida que sempre buscou fazer o bem.

Ela não queria muito.
Queria apenas um pedaço de terra onde pudesse ouvir o vento,
onde os pássaros pudessem cantar, e ela, enfim, pudesse descansar.
Mas a vida, cruel e insensível, lhe reservava um outro destino.

Vejam-na naquele dia.
Ela chega à chácara com um cachorro amarrado por uma corrente.
O animal não entende o que está por vir.
Tímido, treme nas mãos que agora tentam proteger, mas que também precisam de proteção.
Ela não sabia, senhores, que naquele portão não havia acolhimento.
Não havia braços abertos, mas vozes duras, olhares cortantes.
E, como um trovão, veio o ataque.

Empurrões. Gritos. Mãos que a seguram com uma força que ela jamais conheceria.
Seu corpo, frágil, é jogado contra o chão.
E então a dor vem. Primeiro, a fisgada na clavícula, depois, o braço que não responde mais.
Por fim, o que mais machuca: a dignidade quebrada.

"Levante-se, velha teimosa!" – alguém grita.
E ela tenta. Ah, como tenta!
Mas o chão é agora um espelho de sua alma: frio, duro, implacável.

O cachorro foge, mas ela não pode.
Está ali, refém não apenas de corpos violentos, mas de uma humanidade perdida.
Tenta falar, mas sua voz é abafada pelos insultos.
"Você não merece estar aqui!" – dizem.
E, no fundo, ela sente que, para eles, ela realmente não merece.
Não merece respeito, não merece compaixão.

Quando a polícia chega, o teatro já está montado.
"As feridas? Foram culpa dela mesma."
"Ela tropeçou, ela caiu, ela inventou!"
Mas, senhores, como se inventa uma fratura?
Como se inventa um hematoma que estampa o corpo como uma assinatura da violência?
Como se inventa a dor de ser tratada como nada?

Ela foi ao hospital, mas ninguém curou o que realmente foi ferido.
A alma. A dignidade. O sonho.
Deitada naquela cama, encarava o teto.
Perguntava-se, não sobre a dor física, mas sobre o motivo.
Por quê? Por que tanta brutalidade?
Por que tanta indiferença?
Por que, senhores, o coração humano pode ser tão frio?

E agora, ela está aqui.
Não busca vingança. Não clama por retribuição.
O que pede é simples: que a dor dela não seja ignorada.
Que seu sofrimento sirva como um farol, iluminando a escuridão da violência.
Que sua voz, embora fraca, ecoe nas almas que ainda sabem ouvir.

Ela é cada mãe. Cada avó. Cada pessoa que já foi tratada como nada.
E, senhores, nós não podemos ignorá-la.
Pois quando a dignidade de um é quebrada, todos nós sangramos.
Quando o silêncio é a resposta, todos nós somos culpados.

Ergam-se, não por ela, mas pelo que ela representa.
Dêem-lhe o que lhe foi negado naquele portão:
Respeito. Justiça. Humanidade.

Pois, no fim, não é apenas a chácara que ela perdeu.
Foi a confiança. Foi o sonho. Foi a paz.

E enquanto houver dor no mundo, que haja também alguém que lute contra ela.
Essa mulher idosa é essa luta.

Mas nem tudo o que que se vê é o que há já dizia um chasque - note:

Há caminhos que começam sob a bruma da boa-fé,

com gestos estendidos, contratos firmados e olhos esperançosos.

Assim foi o início dessa história, uma cliente, uma causa, um pacto,

e um escritório que, como tantos outros, ofereceu seu ofício e sua voz.

Vieram os embates processuais,

sem medir esforço, embarcou-se junto a fragilidade da matéria.

Não se vence com emoção onde falta prova,

e não se condena com justiça onde o fato não resiste à luz do rito.

A decepção, então, fez eco.

Transformou-se em desconfiança,

de desconfiança nasceu a denúncia,

e da denúncia...

nasceu a verdade, com papel timbrado.

A defesa foi firme como pedra e clara como fonte.

Trouxe consigo bagagens de documentos,

bem como, o peso da ética e o zelo do trabalho bem-feito.

Veio a ata, veio o distrato, veio a declaração,

e, com eles, caiu o véu da narrativa frágil.

Agora, a poeira baixa.

O processo repousa, as culpas injustas se dissolvem no silêncio do arquivo,

e o nome dos que labutaram honestamente volta a brilhar com a luz tranquila da serenidade.

Mas nem tudo se encerra.

Ficaram pendências, não da justiça, mas da consciência e da responsabilidade.

Haverá outro tempo, outro embate talvez,

mas esse, que tentou manchar o que foi limpo,

já não tem mais força, já não fere, já não assombra.

Aqui termina o capítulo da dúvida.

Que comece, quando for o momento, o da cobrança.

Mas que se guarde nos arquivos da memória e nos corações dos justos,

que a verdade, ainda que atacada, permanece inabalável.


Por C. J. Vellasques


quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

À Sombra do Julgamento

 



À Sombra do Julgamento

Cai a noite, fria e lenta, sobre o campo da justiça,
E meu coração, aflito, carrega o peso da incerteza.
Há no silêncio um grito que não se ouve,
Uma prece soprada ao vento, pedindo clemência.

Ah, justiça, doce musa admirável,
Por que me deixas à mercê do tempo,
Esperando por teu toque que redime,
Por tua luz que toca?

Os dias se estendem como um rosário de agonia,
Cada hora, uma lágrima que não cai,
Cada noite, uma saudade do futuro que se sonha,
De uma vitória que acalme a alma cansada.

Lutei com as armas da verdade,
Vesti-me de honra e de razão.
Mas no tribunal das incertezas,
Até a verdade parece um urro perdido.

Não há culpa em meu peito, só uma dor serena,
De ver minha luta transformada em papel,
De provar o que já sei,
De amar a justiça, que às vezes é tão fria.

E enquanto espero, o tempo me corta,
Como uma faca que não mata, mas fere.
Cada decisão adiada, um novo calvário,
Cada dúvida, uma ferida aberta.

Mas ainda assim, espero.
Pois o amor à justiça é minha fortaleza,
E a certeza de que o certo prevalecerá
É o fogo que me mantém vivo.

Que venha o julgamento, como a aurora que desponta,
Trazendo a promessa de dias mais claros.
E que ao fim desta longa espera,
Eu possa, enfim, encontrar a paz que tanto procurei.

Por C. J. Vellasques 


quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

"Espinha de Fogo, Alma de Terra"

 



"Espinha de Fogo, Alma de Terra"

Como a ti, Galo de Rinha, que se ergue no centro do combate, plumagem reluzindo, peito nu diante do destino, também eu avanço. Avanço sem medo, sem trégua, sem nunca permitir que a espinha, esse tronco da alma, se curve. Pois dobrar minha espinha seria roubar-me a vida — e, se isso há de acontecer, que seja apenas quando eu já não puder mais respirar o ar dos rincões que me formaram.

Há em mim a fibra de quem viu o sangue tocar o chão e, mesmo assim, seguiu em frente. Não por escolha, mas por natureza. Porque o homem do Contestado não é feito de paus ou pedras, mas de terra viva e fogo que arde eterno. Sou feito da poeira que o vento soprado pelo grande "Tupã" carrega, mas que nunca apaga; do som seco das chilenas que batem, do brado que rasga os céus em busca de justiça.

E como o galo, que não mais enxerga eu também salto no escuro cravando espora no espaço. Enfrento meu algoz de peito aberto, com a coragem de quem sabe que a peleja não é só pela vitória, mas pela honra de lutar. Cada pena arrancada, cada golpe recebido, não é derrota: é testemunho de que jamais retrocedi. E se a morte vier, que venha. Não temo seu peso. Temo, sim, viver sem razão, viver curvado.

Que meus gritos de justiça ao Contestado ecoem pelos pinheirais, pelas serras, pelos rincões desse mundo. Que cada homem, mulher com espírito de galo de rinha saiba, que o sangue derramado, por  aquilo que era seu de direito, oh jagunço amado, nunca foi em vão. E que, ao me deitar no costado da terra que tanto foi defendida, meu espírito permaneça, erguido, altivo, imortal. Porque aqui, neste corpo, neste sangue, vive a fibra de um povo que não conhece a palavra rendição, basta ouvir o "bradador" Urutau nas madrugadas de novembro, lamentando não a dor da solidão mas a de não ter se despedido do seu amor ao ter partido para a derradeira campanha senhores.  

E se alguém, um dia, ousar dobrar o espinhaço destes que amam esta terra, saiba: não será enquanto houver vida em nossa gente. Será depois de morto. E mesmo assim, que o faça com cuidado, pois até a terra que nos cobre será resistência. Pois o homem do Contestado, não cai, eterniza-se.


Por C. J. Vellasques 



Primavera de 2024. 



Um Conto Poético da Verdade Submersa

  Um Conto Poético da Verdade Submersa      Nos vales frios de Rio Negrinho, onde o nevoeiro abraça as montanhas e as urnas guardam silêncio...