A Chácara da Esperança Perdida

 


A Chácara da Esperança Perdida

Senhores e senhoras, fechem os olhos.
Imaginem uma mulher. Não qualquer mulher. Uma idosa.
Seu rosto carrega marcas de batalhas que nunca escolheu lutar.
Seus ombros, cansados, suportam o peso de uma vida que sempre buscou fazer o bem.

Ela não queria muito.
Queria apenas um pedaço de terra onde pudesse ouvir o vento,
onde os pássaros pudessem cantar, e ela, enfim, pudesse descansar.
Mas a vida, cruel e insensível, lhe reservava um outro destino.

Vejam-na naquele dia.
Ela chega à chácara com um cachorro amarrado por uma corrente.
O animal não entende o que está por vir.
Tímido, treme nas mãos que agora tentam proteger, mas que também precisam de proteção.
Ela não sabia, senhores, que naquele portão não havia acolhimento.
Não havia braços abertos, mas vozes duras, olhares cortantes.
E, como um trovão, veio o ataque.

Empurrões. Gritos. Mãos que a seguram com uma força que ela jamais conheceria.
Seu corpo, frágil, é jogado contra o chão.
E então a dor vem. Primeiro, a fisgada na clavícula, depois, o braço que não responde mais.
Por fim, o que mais machuca: a dignidade quebrada.

"Levante-se, velha teimosa!" – alguém grita.
E ela tenta. Ah, como tenta!
Mas o chão é agora um espelho de sua alma: frio, duro, implacável.

O cachorro foge, mas ela não pode.
Está ali, refém não apenas de corpos violentos, mas de uma humanidade perdida.
Tenta falar, mas sua voz é abafada pelos insultos.
"Você não merece estar aqui!" – dizem.
E, no fundo, ela sente que, para eles, ela realmente não merece.
Não merece respeito, não merece compaixão.

Quando a polícia chega, o teatro já está montado.
"As feridas? Foram culpa dela mesma."
"Ela tropeçou, ela caiu, ela inventou!"
Mas, senhores, como se inventa uma fratura?
Como se inventa um hematoma que estampa o corpo como uma assinatura da violência?
Como se inventa a dor de ser tratada como nada?

Ela foi ao hospital, mas ninguém curou o que realmente foi ferido.
A alma. A dignidade. O sonho.
Deitada naquela cama, encarava o teto.
Perguntava-se, não sobre a dor física, mas sobre o motivo.
Por quê? Por que tanta brutalidade?
Por que tanta indiferença?
Por que, senhores, o coração humano pode ser tão frio?

E agora, ela está aqui.
Não busca vingança. Não clama por retribuição.
O que pede é simples: que a dor dela não seja ignorada.
Que seu sofrimento sirva como um farol, iluminando a escuridão da violência.
Que sua voz, embora fraca, ecoe nas almas que ainda sabem ouvir.

Ela é cada mãe. Cada avó. Cada pessoa que já foi tratada como nada.
E, senhores, nós não podemos ignorá-la.
Pois quando a dignidade de um é quebrada, todos nós sangramos.
Quando o silêncio é a resposta, todos nós somos culpados.

Ergam-se, não por ela, mas pelo que ela representa.
Dêem-lhe o que lhe foi negado naquele portão:
Respeito. Justiça. Humanidade.

Pois, no fim, não é apenas a chácara que ela perdeu.
Foi a confiança. Foi o sonho. Foi a paz.

E enquanto houver dor no mundo, que haja também alguém que lute contra ela.
Essa mulher idosa é essa luta.

Mas nem tudo o que que se vê é o que há já dizia um chasque - note:

Há caminhos que começam sob a bruma da boa-fé,

com gestos estendidos, contratos firmados e olhos esperançosos.

Assim foi o início dessa história, uma cliente, uma causa, um pacto,

e um escritório que, como tantos outros, ofereceu seu ofício e sua voz.

Vieram os embates processuais,

sem medir esforço, embarcou-se junto a fragilidade da matéria.

Não se vence com emoção onde falta prova,

e não se condena com justiça onde o fato não resiste à luz do rito.

A decepção, então, fez eco.

Transformou-se em desconfiança,

de desconfiança nasceu a denúncia,

e da denúncia...

nasceu a verdade, com papel timbrado.

A defesa foi firme como pedra e clara como fonte.

Trouxe consigo bagagens de documentos,

bem como, o peso da ética e o zelo do trabalho bem-feito.

Veio a ata, veio o distrato, veio a declaração,

e, com eles, caiu o véu da narrativa frágil.

Agora, a poeira baixa.

O processo repousa, as culpas injustas se dissolvem no silêncio do arquivo,

e o nome dos que labutaram honestamente volta a brilhar com a luz tranquila da serenidade.

Mas nem tudo se encerra.

Ficaram pendências, não da justiça, mas da consciência e da responsabilidade.

Haverá outro tempo, outro embate talvez,

mas esse, que tentou manchar o que foi limpo,

já não tem mais força, já não fere, já não assombra.

Aqui termina o capítulo da dúvida.

Que comece, quando for o momento, o da cobrança.

Mas que se guarde nos arquivos da memória e nos corações dos justos,

que a verdade, ainda que atacada, permanece inabalável.


Por C. J. Vellasques


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