terça-feira, 20 de maio de 2025

Um Conto Poético da Verdade Submersa

 

Um Conto Poético da Verdade Submersa

    Nos vales frios de Rio Negrinho, onde o nevoeiro abraça as montanhas e as urnas guardam silêncios antigos, viveu uma lenda, cujo nome é bíblico, alma singela, vocação de servir.

    Não era dono de diretório, tampouco condutor de verbas ou vontades. Era apenas um sonhador de mandato, um filho da democracia que ousou tentar um assento no parlamento, guiado por fé no voto e esperança no povo.

    Mas eis que, entre contas e carimbos, caiu-lhe sobre os ombros o peso de uma assinatura. Uma só — como tantas que já fizera. E nela, sem intenção de prejudicar alguém, sem má-fé, sem lucro ou trama, selaram-lhe o destino com tinta de inverdade.

    Disseram que forjou, que sabia, que mentiu. Mas esqueceram-se os que acusam de que o saber exige ciência, e a consciência. E de que quem não manda, não obedece; quem não preside, não responde; e quem não sabe, não titubeia.

    As testemunhas não o viram ordenar. Os autos não o mostram comandar. Agremiação este, sim navegava à deriva, com presidentes múltiplos e arquivos sumidos. E ele? Ele apenas tintou... como quem assina boletos, atas, convites, faturas, papéis que lhe punham na mesa e não no coração.

    O Olimpo da Justiça, austera e cega, esqueceu-se do aviso ao alto comando. A norma, que exige que Hermes "o Deus mensageiro" comunique o colegiado máximo nacional, contudo, foi silenciada. E por esse silêncio, se gerou o ruído dos pergaminhos processuais. Um ruído injusto, sem melodia, sem alma.

    Mas o tempo, senhor da razão, trouxe à tona o que o papel não dizia, que a lenda viva era só um nome em um rodapé, não no cabeçalho da ordem. Que não pediu, não soube, não quis e, mais importante, não pôde.

    E assim, no tribunal da consciência, ergue-se um pedido mudo de justiça, - venha brisa suave sob o manto sagrado d'alma do julgador 

    E que, ao fim, quando a sentença descer como o sol sobre as araucárias, que desça com luz e não com sombra.

    Porque entre o erro e a intenção, entre o papel e o propósito, mora a verdade.

    E a verdade, ainda que tarde, chega com o peso leve da liberdade.

Eis que a verdade aparece 

“A Sentença e o Silêncio”


No tribunal onde ecoam vozes e verdades,
caminhou um homem, em busca de a legítima história,
mas pela dignidade que sempre lhe guiou a mão.
Chamaram-no réu, mas ele era apenas
um nome entre tantos,
uma assinatura entre mil,
um passo entre pedras que não lançou.

Falaram de contas, de papéis, de normas frias,
mas o coração dele nunca houve falsidade.
Seu gesto era de fé,
na justiça,
na palavra que lhe estendiam,
nos olhos que o olhavam sem acusar.

E então veio o tempo,
o tempo que tudo revela e desfaz:
as máscaras, as dúvidas, os enganos.
E em nome da lei,
declarou-se o que já morava no íntimo dos justos:
eis que era de fato inocente.

Por ausência intenção,
pois não há culpa em quem age sem maldade,
não há crime na confiança
de quem crê no seus patrícios como família.

A sentença lavrou a linda absolvição,
lavrou a pureza de quem enfrentou a lama
e saiu com os pés limpos.
Lavrou o limite entre o erro humano e a injustiça implacável.
Lavrou que justiça não é vingança,
é memória restaurada.

Hoje, o silêncio das acusações pesa menos
do que a leveza de se saber íntegro.
E se um dia disseram “culpado”,
agora ecoa mais forte,
homem de honra.

E que todos ouçam, até o fim dos dias,
a liberdade de um justo, do lendário irmão de Caim,
é a vitória de todos os que creem no Direito
como forma de amar o mundo com justiça.


    
    Por C. J. Vellasques 

domingo, 18 de maio de 2025

O Homem que Veio do Vento




    



O Homem que Veio do Vento

Por C. J. Vellasques

    Ah, Senhoras e Senhores das Letras, apreciadores da paixão, do teatro e da literatura… que força tem a emoção quando se enlaça à arte! E que força é essa que nos move, senão um arrebatamento digno das mais sublimes tragédias e comédias do Bardo de Avon?

    Com tua permissão, aqui começa um conto, arquitetado com a vibração arrebatadora de um coração que amou Shakespeare numa tarde qualquer, e jamais voltou a ser o mesmo.

    Dizem que numa noite de bruma leve, entre as colinas da Inglaterra e os becos da alma humana, nasceu um homem feito de palavras.

    Não tinha espada, nem coroa, nem exército, mas comandava lágrimas e risos com o simples dobrar de uma sílaba.

    Seu nome era Shakespeare.

    Os séculos passaram, mas ele jamais partiu.
    
    Está onde houver amor e canções, poesia e estações, literatura e composições.

    Não há sepultura que contenha o espírito que vive em cada cena encenada, em cada jovem que ama pela primeira vez, em cada monólogo soprado à lua.

    E então, numa cidade não muito distante daqui, talvez até mesmo em Rio Negrinho, ou talvez num coração em chamas, alguém assistiu Shakespeare Apaixonado.
    
    E ao final, não sabia mais se era o filme ou o próprio coração que batia mais forte.

    Era como se Romeu e Julieta tivessem entrado pela janela da sala e, ao invés de morrerem, tivessem sobrevivido.

    Sorrindo.

    Amando eternamente naquela alma inquieta.

    Foi ali, naquele instante de beleza absoluta, que o Homem do Vento reapareceu.

— Estás me chamando? — disse Shakespeare, em pensamento.

— Estás me ouvindo, ainda que há tanto eu tenha partido?

    A resposta era clara: sim.

    Ali estava ele, vivo.

    Reencarnado no arrepio do espectador, no brilho do olhar empolgado, no verbo inflamado de alguém tomado de paixão, não por um enredo, mas pelo milagre da palavra bem dita, da emoção bem narrada.

    Shakespeare, esse sujeito, esse mortal tão eterno, agora morava ali.

    Não em Londres.

    Não em Stratford-upon-Avon.

    Mas no peito daquele que ousava sentir tudo isso de uma só vez.

    E talvez, só talvez, o próprio Shakespeare estivesse, lá de longe, sorrindo:

"Enquanto houver quem ame as palavras com esse furor, eu nunca morrerei."

    Naquela tarde fresca, entre o café e a luz suave que entrava pela janela, mãe, filho e família partilhavam mais do que conversas: dividiam o mistério de existir.

Romeu e Julieta... — disse o filho, com a alma ainda em brasas. — Que loucura linda. Amar como se o mundo não bastasse...

    A mãe sorriu e respondeu, como quem já viveu cada ato da peça:

— Embora você já tenha lido, ainda há o que ver... talvez um filme. Mas saiba: não é o fim que dói. É o quanto a gente se reconhece nele.

    O silêncio se fez.

    As palavras pairaram no ar, como se aguardassem algo.

    E foram ouvidas.

    Naquela noite, sem saber bem por quê, o filho decidiu assistir Shakespeare Apaixonado.

    Não por acaso.

    Mas porque algo invisível já havia sido invocado.

    Ao fim do filme, quase tomado por lágrimas e assombro, compreendeu:

    Shakespeare além de um autor. Foi uma chave.

    Uma chave que abre portas entre mundos.

    A conversa com a mãe fora o rito.

    O filme, o espelho.
    
    A alma... a oferenda.

    Na madrugada, as horas tremularam.

    Às 03h33, exatas, o filho sonhou.

    Um teatro.

    Plateia vazia.

    No palco, apenas ele.

    Luz baixa.

    Do fundo do palco, Shakespeare caminhava.

— Te escutei — disse ele. — Lá na tarde, entre a tua voz e o olhar da tua mãe.

— Escutou?

— Sempre escuto.

    Aqueles que falam de amor com verdade... me chamam sem saber.

    O Bardo estendeu a mão.

— Vem, Taura. A tua pena já está pronta.

    Quando ele acordou, havia sobre a mesa uma folha em branco.

    Mas apenas por um segundo.

    Pois assim que pegou a caneta… a folha soprou ao seu ouvido:

“Escreve. Pois agora tu sabes: a arte também escuta.”

segunda-feira, 5 de maio de 2025

O Último Grito da Mata

 


O Último Grito da Mata

Eu sou o amargo da terra,
da terra cuspida em sangue,
sou o mate amargo da
luta,
sou trincheira, sou barranco, sou gente.

Sou o grito que vem da mata,
sou bugre, sou caboclo, sou crente,
sou jagunço de mão calejada,
sou contestado valente!

Quando o jagunço tomou a estrada,
não foi por ouro, não foi por fama,
foi por terra, por pão, por palavra,
foi pra não ajoelhar pra farda,
foi pra não morrer calado na lama.

E eu, amargo, eu não esqueço:
meu mate tem gosto de pólvora e reza,
meu chão tem cheiro de sangue e promessa,
minha voz é facão, meu passo é bandeira.

No peito carrego as marcas do contestado,
nos olhos, a memória do massacrado.
E quando declamo, Taura,
não é só pra rimar,
é pra lembrar
que o índio ainda grita no mato,
que o jagunço ainda clama no barro,
e que a mata inteira, rasgada e aberta,
solta seu último grito
pra nunca calar!

Por C. J. Vellasques 

Um Conto Poético da Verdade Submersa

  Um Conto Poético da Verdade Submersa      Nos vales frios de Rio Negrinho, onde o nevoeiro abraça as montanhas e as urnas guardam silêncio...