Saudade Farrapa
Ser gaúcho está profundamente ligada à mistura de raças e culturas dos pampas do sul do Brasil, Argentina e Uruguai, sendo um símbolo de identidade forjado entre indígenas e hispano-lusos.
A origem do termo gaúcho é envolta em diferentes hipóteses. Para uns, pode vir do quéchua “huachu” (órfão), usada para designar descendentes de indígenas com europeus. Outros ligam sua raiz aos colonizadores espanhóis das ilhas Canárias, que, ao chegarem à região, adotaram e adaptaram termos para nomear órfãos e pessoas errantes.
Mas uma coisa é certa, a raiz vem dos charruas e minuanos, guerreiros antigos moldados pelo vento e pela vastidão do pampa, com a coragem e o sonho trazidos de longe pelos espanhóis. É ser aquele que zela pela terra, pelo fogo, pelo mate compartilhado, e que entende que liberdade e irmandade são feitos de gestos simples e de grandes atos.
Só por volta da metade do século XIX, especialmente depois do legado da Revolução Farroupilha, o nome “gaúcho” abandona a carga pejorativa. Passa, então, a ser símbolo de bravura, honra e patriotismo. O aventureiro transforma-se em figura digna, celebrada por sua coragem e pelo sentimento profundo de liberdade.
"Eu vi corpos de tropas mais numerosos, batalhas mais disputadas, mas nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes que os da bela Cavalaria Rio-grandense, em cujas filas principiei a desprezar o perigo e combater dignamente pela causa sagrada das nações.
Quantas vezes tenho tentado patentear ao mundo os feitos assombrosos que vi realizar por essa viril destemida gente , que sustentou por mais de nove anos contra um poderoso império a mais encarniçada e gloriosa luta.
Não tenho escrito semelhante prodígio por falta de habilitação, porém a meus companheiros de armas mais uma vez tenho relatado tanta bravura nos combates, tanta generosidade na vitória, tanta hospitalidade, tanto afago aos estrangeiros, e a emoção que minha alma então jovem ainda sentia na presença e na majestade de vossas florestas, da formosura de vossas campinas, dos viris e cavalheirescos exercícios de vossa juventude corajosa; e, repassando pela memória as vicissitudes de minha vida entre vós em seis anos de ativíssima guerra e da prática constante de ações magnânimas, como em delírio brado:
- Onde estão estes belicosos filhos do continente, tão majestosamente terríveis nos combates! Onde estão Bento Gonçalves, Neto, Canabarro, Teixeira e tantos outros valorosos que não lembro! Oh! Quantas vezes tenho desejado nestes campos italianos um só esquadrão dos vossos centauros avezados a carregar uma massa de infantaria com o mesmo desembaraço como se fosse uma ponta de gado.
Que o Rio Grande ateste com uma modesta lápide os sítios em que descansam seus ossos. E que vossas belíssimas patrícias cubram de flores esses santuários de vossas glórias é o que ardentemente desejo.
Por mim abraçai a todos esses amigos e mandai em toda a ocasião ao vosso verdadeiro amigo."
Giuseppe Garibaldi
Ser Farrapo, Federalista, do Contestado ou das Missões é celebrar a irmandade nas rodas de mate, nos galpões, nas tradições que cruzam gerações. É lembrar o legado das monarquias celestiais dos jagunços em terras Contestadas, é o governo comunitário dos guaranis e dos jesuítas junto as Missões, é o simbolismo das repúblicas sonhadas e batalhadas, Piratini e Juliana, que simbolizam a eterna vontade de ser livre. É sentir a saudade sem remorso, pois ela une o presente ao heroísmo do passado; é saber que a história que criamos ecoa para sempre nos pampas e para aqueles que aprendem a amar esta terra.
Aqui, faço do meu blog um espaço de memória viva. Celebro ao longo de cada ano, cada feito de coragem, cada carta, cada saudade, cada eco em giro eterno.
Chamamé e a Verdadeira Essência do Ritmo dos Pampas
O chamamé é uma dança popular e o som das terras fronteiriças, uma expressão viva da cultura dos povos que habitaram o sul da América. Mas, afinal, qual é a verdadeira história do chamamé e como ele se relaciona com a fé e as batalhas que marcaram os rincões do Brasil e países vizinhos.
Surgiu entre o final do século XVIII e o início do XIX, principalmente na região de Corrientes, no norte da Argentina, se espalhando pelo Paraguai e pelos estados do sul do Brasil. Sua base veio do encontro das tradições indígenas guaranis, que viviam entre as Missões Jesuíticas e mantinham profunda ligação com a música e a espiritualidade, com elementos trazidos pelos colonizadores europeus e imigrantes posteriores.
O acordeão, instrumento símbolo do chamamé, foi incorporado posteriormente, ganhando destaque em bailes, festas rurais e celebrações familiares.
O Chamamé como Ritmo Guerreiro.
Apesar de sua força cultural e de sua popularidade em momentos de confraternização que às vezes seguiam grandes feitos históricos, o chamamé nasceu como música de encontro.
Encontros das famílias, vizinhos e amigos e no cotidiano das comunidades rurais. No entanto, por ser expressão autêntica do povo do pampa e das terras missioneiras, o chamamé reverbera os sentimentos de luta, saudade, resistência e esperança tão presentes na tradição sulista e missioneira.
Em festas que celebram a história regional, ou mesmo homenagens às grandes batalhas, é comum o chamamé marcar presença, reforçando a identidade, união e bravura do povo.
Embora o chamamé tenha se popularizado como música de baile, alegria e festa, não se restringiu à celebração profana. Isso porque nas regiões onde ele nasceu, a influência das Missões Jesuíticas era muito forte, Nossa Senhora, nas suas diferentes invocações (da Assunção, da Conceição), era amplamente cultuada nas comunidades missioneiras e entre os povos guaranis.
Com o tempo, o chamamé passou a ser usado também em festas religiosas, procissões e momentos de louvor, e muitos autores criaram canções dedicadas especialmente à Virgem Maria. Assim, o chamamé se tornou ponte entre o sagrado e o cotidiano, levando mensagens de fé, esperança e gratidão além dos salões e ranchos.
É o ritmo das fronteiras e da mistura dos povos, dos sorrisos e das histórias ao pé do fogo, da superação e da força coletiva dos pampas.

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