Barreiras do Tempo
Barreiras do Tempo
Certo dia, dentro da década dos anos noventa, busquei um cachorrinho recém desmamado, um presente de um velho amigo chamado João Faisel. Esse cachorro, faceiro que só, levei morar comigo nas bandas da Colônia Olsen, interior donde eu morava. No início, ele vivia solto, mas quando chegava visitas prendia na corrente, pois sua estrutura imponente assustava os que vinham se chegando na morada.
Cigano foi o nome que lhe dei, partilhávamos de caçadas dentro da matas daqueles rincões, e ele, mesmo com suas cicatrizes marcadas pelos dentes dos quatis, com a falha na pata por conta de uma peleia que teve, nunca deixava de estar ao meu lado.
Numa certa noite, a boiada do vizinho invadiu a plantação de nossa propriedade. Cigano me avisou em meio a noite com um uivo diferente, de pronto me larguei com ele pelas canhadas que nos levaria até lá. Chegando lá, eu, acabei me desiquilibrando ao ter que recuar ligeiro para traz, enrosquei-me num torrão do lavrado e caí, mas Cigano, meu fiel escudeiro, agarrou um dos bois pela venta e o derrubou ao meu lado, me salvando de um possível acidente grave. Outra vez, ele me livrou de uma picada de cobra, recebendo ele mesmo a mordida, quando eu usaria uma raiz para me agarrar e subir junto uma barranca. Cuidei do meu amigo, remediei os sangramentos mas não consegui salvar a vista dele por conta da pressão ocasionado pelo veneno. Sua força e resistência sempre prevaleciam e logo já estava comigo campo afora ao lado do meu crinudo chamado Soledade.
Mas a vida, ela é feita de despedidas. Chegou o dia que decidi estudar, após dias virando terra para plantar feijão deixei meu trator no meio da roça, peguei meu menino já de dente coloquei em minhas costas e parti. Com o coração apertado, entreguei meu Cigano nas mãos de um homem de bom coração chamado Paulo de Souza.
Creio que a saudade no peito do Cigano era tamanha, e é possível que ele lembrava de nossas proezas, nossas aventuras, afinal éramos jovens. Me contou Paulo que ao entardecer, o valente cão olhava para o horizonte, uivando baixinho, um choro cadente pelas lembranças.
Foi numa tarde, sob o manto de um pôr do sol dourado, Cigano deitou, fechou os olhos e partiu, morrendo de saudade dos campos onde correu em épocas de ouro.
Certo dia me encontrei com ele em meios aos sonhos onde os amigos se encontram para matar a saudade, lhe pedi perdão por ter lhe abandonado, pois o que fiz foi judiação, ele daquele tipo valente balançou o corpo inteiro anunciando que não havia nada de errado. Observei que ele corre nesse tempo nos campos do céu, levantando nuvens em redemoinhos, aguardando o dia em que nos reencontraremos.
E assim, a história do Cigano, aquele bulldog charuto brasino e leal, tornou-se parte de minha vida, talvez para muitos se torne uma lenda nas terras de Rio Negrinho, uma obra imortal nas minhas lembranças e nas daqueles que leram esses memoriais. É a lembrança viva de um amor que transcende as barreiras do tempo e do espaço. Até um dia meu amigo.
Por C. J. Vellasques
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